Medusa (dir.: Anita Rocha da Silveira)

Por Caio Sobral

“Medusa” apresenta uma clara evolução técnica e temática do que foi previamente apresentado em “Mate-me Por Favor” (2016). Entretanto, Anita tem muito o que mostrar, ainda.

A evolução temática do filme se dá diante de uma projeção amplificada de uma realidade fascista e fundamentalista cristã, tangencialmente apresentada na estreia da diretora. Essa projeção, além de expor um teor tragicômico e acurado com a contemporaneidade brasileira, traz críticas contundentes através de sua mise-en-scène, que transita entre o exagero brega (com a igreja iluminada por neon, quarto todo decorado de rosa) e uma nulidade aterrorizante (mulheres mascaradas em ruas vazias, leitos hospitalares espaçosos e sem vida).

Já no teor técnico, aferimos uma evolução a partir da criação do terror do filme. Além do bom uso das locações já citadas, também ocorre uma ótima construção de atmosfera a partir dos seus arcos de personagens. A milícia da igreja é composta por homens que se exercitam e se movem de maneira sincronizada e performática, enquanto o núcleo de mulheres se mostra acuado e oprimido diante dessa realidade. Somando tudo isso com uma montagem que conduz o espectador de maneira dura no mundo do filme, havendo assim uma grande qualidade na construção de universo e imersão no que se mostra.

Estranhamente, os momentos didáticos do filme funcionam e encaixam, sem empobrecê-lo de maneira direta, já que dialoga diretamente com a parte estética do exagero. Apesar disso, “Medusa” se perde no seu ato final, os mistérios acabam sem razão, as relações entre as personagens se desmancham e o sentido se esvai.

Diante de um evidente crescimento da diretora, o filme ajuda a posicionar Anita Rocha da Silveira como uma figura a despontar no cenário cinematográfico através de suas narrativas, que modulam a realidade do Brasil de modo certeiro e com uma conversa precisa entre os gêneros que escolhe trabalhar.

Sobre André Dib

André Dib é jornalista, pesquisador e crítico de cinema, com experiência em festivais brasileiros e estrangeiros. Realiza curadorias e oficinas para instituições, mostras e festivais de cinema. Membro da diretoria da Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (Abraccine 2013-17). Tem textos publicados em diversos jornais, revistas, sites e catálogos, além do livro “100 Melhores Filmes Brasileiros” (2016), “Documentário Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2017) e “Animação Brasileira: 100 Filmes Essenciais” (2018), organizados pela Abraccine. Idealizou e coordenou até 2017 o projeto de exibição “Sessão Abraccine”. Organizador (com Gabi Saegesser) do livro "Antologia da Crítica Pernambucana" (2020). Mestre em Comunicação pela Universidade Federal da Paraíba.
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