A Flor do Buriti (Dir.: Renée Nader Messora e João Salaviza)

Por Júlia Balista

Sonho é destino

Estamos em um ritual Krahô, de noite, com os mais velhos cantando e tocando em volta da fogueira. Essa imagem, por si só, já vale a ida ao cinema para assistir A Flor do Buriti, uma obra que evoca passado, presente e futuro para falar sobre os conflitos indígenas no Brasil.

A Flor do Buriti é uma visão para o dia a dia dos Krahô, em que as tradições de uma comunidade coexistem com os conflitos contemporâneos, assim como a ficção coexiste com a realidade. Na verdade, “conflito contemporâneo” é uma expressão sutil para definir a invasão e exploração que o homem branco causa na floresta, deixando sinais visíveis até para as crianças.

Os mais jovens, inclusive, ocupam um lugar importante no filme (e na vida): aprender, cuidar e continuar o conhecimento herdado dos mais velhos. Não à toa, é através dos sonhos de Jotàt (Solane Tehtikwỳj Kraho) que somos apresentados ao universo onírico dos Krahô. Para aprender com as gerações passadas, Jotàt transita entre diferentes tempos, naquele mesmo espaço. A pequena Jotàt aprende com a floresta, com seus antepassados e também com sua mãe, Patpro (Ilda Patpro Kaho), comprometida com a luta indígena.

Mesmo apresentando o dia a dia dos Krahô, o filme não é um documentário. O hibridismo entre a ficção e a realidade o torna uma terceira forma, que deixa ainda mais evidente a luta política dos indígenas no presente. Ao mostrar a rotina da comunidade, o filme acompanha Patpro e Hyjnõ (Francisco Hyjnõ Kraho) em um protesto em Brasília, em 2019, junto com outras lideranças indígenas. Os conflitos são reais, bem como as imagens e as consequências sofridas pelos povos originários no Brasil.

Com uma forte carga histórica, o filme nos apresenta o Cacique Balbino e a chacina provocada por garimpeiros, em território Krahô, nos anos 1980. O Cacique Balbino tentou impedir o extermínio através do diálogo, mas levou um tiro pelas costas. Ou seja, as questões de invasão e violência estão em constante atualização, até os dias de hoje. Se a escola não nos conta sobre nossa própria história, o cinema vai contar.

Sobre a fotografia da obra, imagens noturnas e externas na floresta são de arrepiar. Detalhes vividos no meio de um breu imenso instigam e fascinam o imaginário. No trânsito entre floresta e cidade, a câmera é uma testemunha oculta que captura as intimidades e conflitos entre as personagens.

Só para reforçar: as crianças são um elemento fundamental, tanto no filme quanto na longevidade das tradições e comunidade Krahô. Talvez por isso, o filme termine com o nascimento de um bebê Krahô, o que mostra que nada acabou, mas está em constante recomeço.

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