Sem Coração (Dir.: Nara Normande e Tião)

Por Júlia Balista

Um desejo tão grande quanto uma baleia

Poucas certezas, muitos sonhos e um desejo pulsante por descobrir quem se é: essa foi a maneira que o filme Sem Coração retratou a fase entre o fim da adolescência e o começo da vida adulta, em um verão dos anos 1990, no litoral de Pernambuco.

Acompanhamos um grupo de jovens, com destaque para a protagonista Tamara (Maya de Vicq), que tem como grande conflito a mudança para estudar em Brasília, o que já implica uma questão de classe. Em diferentes situações, Tamara apresenta-se como uma personagem passiva, sempre observadora, de poucas palavras. Ela acolhe um amigo que apanha do pai e defende outro que sofre homofobia, mas sempre reagindo a ações de terceiros. Talvez sua maior atitude foi tocar uma siririca enquanto assiste um pornô com as amigas.

A passividade de Tamara não é um defeito e, sim, um possível retrato da classe média e sua indiferença aos acontecimentos do mundo. Apesar do conflito interno sobre sua partida, não há um real perigo que persegue a protagonista. No extremo oposto, há a personagem de Duda (Eduarda Samara), ou Sem Coração, como é chamada pelos outros adolescentes que implicam com ela de longe.

Sem Coração tem atitude, pula no mar para pescar, aposta corrida com os meninos, pede para acompanhar o pai durante o trabalho à noite. Com uma vida mais humilde e sem tantas perspectivas a curto prazo, Sem Coração vive suas descobertas adolescentes ao seu modo, por vezes solitária. Equilibrar sua subjetividade com as demandas de um mundo capitalista coloca a personagem num conflito quase sem saída, mas que encontra uma vazão surrealista no fundo do mar. É debaixo d’água que Sem Coração consegue parar, observar e respirar.

Apesar de todas as diferenças, há algo em comum entre Tamara e Sem Coração: o medo pelo próprio desejo. Não é uma tarefa fácil bancar o que se deseja, principalmente quando se é adolescente. O universo marinho é o que atrai as garotas e permite uma aproximação, mas é a chama entre elas que leva cada personagem para seu próprio caminho.

Uma palavra me vem à mente quando penso na fotografia do filme: tropical. Com cores quentes, muita água do mar, dias ensolarados e palmeiras verdes sobre nossas cabeças, o calor toma conta da sala de cinema, mesmo com o ar condicionado no talo.

De novo, as questões de classe são as que mais ficam latentes no filme, por mais que o clima praiano traga uma leveza para a obra. É bonito e melancólico pensar que aquela cidade, aquelas situações e dinâmicas entre os amigos só vão existir enquanto eles são adolescentes. Talvez, esse seja o último verão – o que desperta uma faísca sobre o que vem por aí.

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