Acorda humanidade! (SuperOutro)

superoutro

por Scarlet Carvalho

Entre diversas obras cinematográficas e literárias é muito comum estereotipar a Bahia com cinismo. Oposto a essa condição está SuperOutro (1989), que surpreende pela bela representação da capital baiana. Cenas dos ápices de loucuras do personagem esquizofrênico são feitas em pontos-chave que fazem esses recortes da cidade.

A história começa com um convite: “Acorda humanidade!”. Aos berros, o herói (interpretado por Bertrand Duarte) propõe que todos se levantem e diz que as coisas acontecem enquanto as pessoas dormem: alguém assume o controle enquanto você dorme, controla seu alimento, controla sua água, controla sua saúde, seu lazer, controla seu sono. Citando Drummond, “o Brasil está dormindo, coitado”.

O filme escandaliza a pornografia. O personagem encontra uma revista de conteúdo adulto, disfarça e guarda com precisão, contudo a utiliza de forma frequente, abrindo aqui um questionamento: se sexualidade é natural do ser humano, por que é proibido falar de sexo? Mas é permitido estar em veículo impresso, ou seja, é legal se estiver mediado pelo capital? O mercado pornográfico é um dos mais instáveis, são milhões por ano, mas finalmente o que está por detrás disso tudo? Doenças sexualmente transmissíveis, drogas, transtornos mentais. O mercado que ilude ao dizer que as mulheres, na figura das atrizes, gostam de toda aquela violência, humilhação e sujeira.

Voltando a SuperOutro, a trama é carregada de simbolismos religiosos de matriz africana. O protagonista, que sempre está nas proximidades do mar, se dá conta que é dia de Yemanjá, orixá muito popular em todo o país, a única que possui feriado público. O esquizofrênico sente a necessidade de conseguir um bom presente para a rainha das águas e, por isso, vai até a Igreja do Senhor do Bomfim e rouba um colar durante a missa, põe o colar sobre as pedras, o dedicando à mãe d’agua. Logo em seguida é levado pelas ondas.

No desfile de 7 de Setembro o personagem passa por uma baiana de acarajé e visualiza o filme Superman em cartaz no cinema Glauber Rocha, se aproxima e admira a imagem, faz movimentos circulares em torno de si mesmo e aos poucos começa a se transformar em SuperOutro, um herói verde e amarelo. Mas a Mãe de Santo – baiana – enxerga Bessén, o Orixá dourado que dança com a cobra. Bessén é um deus ambíguo, duplo, que pertence à água e à terra, mostra a necessidade do movimento da transformação.

A Mãe de Santo limpa o Orixá com a pomba preparando-o para a batalha. SuperOutro agora é soldado e faz o seu bravo discurso de independência: todos devem cumprir deveres, e o seu é voar! Monta em seu cavalo e consolida seu desejo.

Edgar Navarro, diretor do clássico exibido no Panorama Coisa de Cinema de 2016, faz uma sátira ao patriotismo. Independência de que mesmo? É preciso reinventar a história, reinventar, ou ainda inventar o nosso herói.

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